“Vindo sabe-se lá de que região do ar, o tigre aparece, dá o seu bote e se esfuma. O goleiro, preso na sua jaula, não tem tempo de piscar. Num lampejo, Romário mete seus gols de meia-volta, de bicicleta, voleio, de trivela, de calcanhar, de ponta de pé ou perfil.”
Eduardo Galeano
Vinte e um de janeiro de mil novecentos e sessenta e seis. Por extenso. Nesta data, Papai do Céu apontou para alguém e disse: “Esse é o cara”. Foi neste dia que nasceu Romário de Souza Faria, o Baixinho, o Peixe, o Romário. Um jogador que nunca mais irá existir igual. Um jogador habilidoso, “matador”, inteligente, rápido e falastrão. De sua boca saíram frases inacreditáveis, dos seus pés, gols inesquecíveis. Este é o perfil de Romário. Um perfil que pode se resumir em uma frase, de sua autoria: “Técnico bom é aquele que não atrapalha”. Técnico bom é aquele que deixa Romário jogar. Técnico bom é aquele que deixa Romário fazer gols. Então, se depender dos seus gols, todo técnico é bom.
Há no futebol, inúmeros passos a serem dados. O primeiro passo é tornar-se profissional. O segundo, se transformar em alguém neste esporte de dificuldade suprema, visto os inúmeros concorrentes. E é no terceiro grado que se dispersam várias trilhas. Romário de Souza Faria, o baixinho, seguiu todas essas e mais um pouco. Primeiramente profissionalizou-se no Vasco, logo em seguida virou alguém, para mais tarde ser tratado pelo nome, Romário.
Nome de respeito. Composto por sete letras e mil gols. Sem dizer que é protagonista de mil e um episódios, uns mais marcantes outros menos. Na maioria das vezes polêmicos. Mas esse é… Romário. Tornou-se alguém no Vasco e o talento lá demonstrado foi tanto, que já na primeira aparição no clube carioca (nas suas várias idas e vindas ao clube cruzmaltino) começou a ter tratamento de craque.
O talento invejável de marcar gols, foi visto pela primeira vez na partida Vasco 6 x 0 Nova Venécia-ES, dia 18 de agosto de 1985. Apenas um gol. Naquela época certamente ele não imaginava que chegaria aonde chegou. Ainda buscava ser titular, ainda não tinha espaço no time principal. Mas por ironia do destino, atingiu uma meta que ele mesmo traçou. Certa vez, em entrevista para uma emissora de televisão, ele mesmo disse: “Vou fazer mil gols”. Predestinação? Isso não se sabe, mas que ele cumpre o que diz, nunca mais poderemos negar.
História
Em 1985, Roberto Dinamite ganhou no ataque vascaíno a companhia de um baixinho cabeludo. Não imaginava o lendário atacante, o que este novo companheiro de posição faria. Mais rápido e ágil que nos tempos atuais, Romário começou com tudo. No ano seguinte, em 1986, já era o artilheiro do Campeonato Carioca. Talvez a fama e o sucesso repentino pudesse iludir o jovem artilheiro. A resposta veio já no outro ano, quando mais uma vez conseguiu o título de artilheiro do Campeonato Carioca. Mas era apenas o começo.
Três anos depois de ganhar a vaga no ataque de sua até então única equipe profissional, Romário conquistou o bicampeonato carioca. Uma amarelinha já era merecida. Então, assim foi. Nas Olimpíadas de Seul, na qual o Brasil ficou com a prata, o baixinho ficou com o ouro. Foi novamente artilheiro, desta vez em uma Competição de porte internacional.
Com os bons desempenhos tanto no Vasco, como pela Seleção Brasileira, conseguiu despertar a atenção dos holandeses, mais especificamente dos dirigentes do PSV Eindhovenn, um dos maiores clubes do país. Provavelmente tenha sido no Velho Continente, que Romário provou ser um craque mundial. Logo na primeira temporada foi campeão nacional e artilheiro. No mesmo ano, em 1989, obteve junto à Seleção Brasileira, o título da Copa América, após 40 anos de jejum.
Chega a ser repetitivo, porém, no ano seguinte novamente foi… Adivinha? Artilheiro do holandês pelo PSV. Além disso, Romário conquista o mesmo prêmio, mas agora na maior competição da Europa, a Liga dos Campeões. Tudo era as mil maravilhas. Só que uma fratura no perônio prejudicou o talentoso atleta. Como a lesão havia ocorrido três meses antes da Copa do Mundo, teve um desempenho inferior ao normal e assim pôde disputar apenas uma partida, contra a Escócia e, mesmo assim, apenas alguns minutos.
Em 1991, já recuperado do problema ocorrido um ano antes, Romário conquista novamente o título nacional, o segundo (1989 e 1991) desde sua chegada e a artilharia da competição pela terceira vez consecutiva. Já em 1992, o baixinho não é artilheiro, porém, novamente junto com sua equipe, conquista o título holandês, pela terceira vez.
Avançando mais um ano, o baixinho torna-se artilheiro da Liga dos Campeões da Europa pela segunda vez, desta vez com sete gols, um a mais que na primeira oportunidade. É nesse ano de 1993, que o baixinho deixa para trás sua brilhante passagem pela Holanda. Com todos feitos já citados, o Barcelona se rende ao seu oportunismo e o contrata por 4,5 milhões de dólares. Como havia feito um ano maravilhoso, o Peixe, já no clube espanhol, conquista o prêmio de segundo melhor jogador do mundo.
No ano da Copa do Mundo, Romário demonstra que tê-lo na equipe, muitas vezes poderia ser essencial. Insatisfeito com as eventuais célebres frases do baixinho, o técnico da Seleção Brasileira, Carlos Alberto Parreira, deixa o camisa 11 de fora das eliminatórias. Porém, a campanha ruim que já ameaçava a presença verde e amarela na Copa, afasta a teimosia do treinador, que acaba rendendo-se ao polêmico, porém sempre “matador” Romário. Sua presença surte efeito, e na sua volta, ele, sempre ele, faz dois gols. Os gols que garantem o país nos Estados Unidos, sede da Competição Mundial.
No país norte-americano, veio o auge de sua carreira. Sempre que uma seleção é campeã da Copa do Mundo de Futebol, existe um herói, alguém que sem a sua presença, nada, ou quase nada, seria possível. Pois na Copa de 1994, este herói, este alguém, chamou-se Romário. Autor de cinco gols na competição, o Baixinho fez uma dupla inesquecível com Bebeto, autor de outros três. Participou de gols mesmo sem fazer ou sem dar passe: desviou da bola chutada por Branco, que milésimos de segundo depois estaria nas redes da Holanda. O gol da vitória, o gol que classificou o Brasil às semifinais.
Esta Copa é um capítulo especial na vida de Romário. Marcou o primeiro gol brasileiro nela, aos 26 minutos do primeiro tempo, contra a Rússia. Marcou também, na primeira fase, contra Camarões e contra a Suécia. No Independence Day, deu passe para o gol da vitória do Brasil sobre os Estados Unidos, donos da casa: 1x 0, gol de Bebeto. Depois, nas quartas-de-final, fez gol e desviou de um na vitória heróica sobre a Holanda por 3×2. Na semifinal, aos 35 minutos do segundo tempo, o Baixinho subiu mais alto que todos os suecos: 1×0 Brasil, e vaga garantida na final. Contra a Itália, a glória eterna: nos pênaltis, não desperdiçou a sua cobrança e viu outro craque, Roberto Baggio, chutar a bola para fora: Brasil Tetra-Campeão Mundial. Estes cinco gols marcados com certeza não são apenas “mais cinco” na soma do Baixinho. Nem na nossa.
A grande temporada rendeu também o prêmio de melhor jogador do mundo para Romário, que no ano seguinte voltava ao Brasil, para atuar pelo Flamengo, e jogar ao lado de Edmundo e Sávio, no time montado pelo clube carioca para comemorar seu centenário. O trio era para formar um ataque dos sonhos. Era. Acabou sendo um fracasso. Tamanho fracasso, que ganhou até música de autoria dos torcedores vascaínos: “Pior ataque do mundo, pior ataque do mundo, pára um pouquinho, descansa um pouquinho, Sávio, Romário, Edmundo!”.
Em 1996, dias melhores. Conquista a Copa Ouro Sul Americana e o Campeonato Carioca. Além é claro, da artilharia do Estadual, com 26 tentos. Já no ano seguinte, após seu time deixar escapar o título da Copa do Brasil para o Grêmio, o craque retorna à Espanha. Desta vez ao Valencia, onde tem uma apagada passagem.
Romário, que havia ido ao clube espanhol por empréstimo, retorna, portanto ao Flamengo. Faltando um mês para a Copa do Mundo de 1998, o Baixinho se contunde, jogando contra a Friburguense. Apesar de dizer que já estava recuperado e pronto para integrar a Seleção, Zagallo não concede vaga ao gênio da área, no seu lugar entra Emerson.
Em 1999 conquista dois títulos: Campeonato Carioca e Copa Mercosul. E três artilharias: Campeonato carioca com 16 gols, Copa do Brasil com 8 gols e Copa Mercosul com 8 gols. De quebra, o polêmico atacante é dispensado do clube rubro-negro por indisciplina.
No novo milênio ele tem um dos melhores anos de sua carreira. Conquista a inesquecível Copa Mercosul, batendo o Palmeiras por 4 a 3, em jogo que o time carioca chegou a estar perdendo por 3 a 0. No mesmo jogo, Romário converte 3, dos 4 gols vascaínos. Para abrilhantar ainda mais seu ano, é Campeão Brasileiro (chamado de João Havelange) e artilheiro de quatro campeonatos: Campeonato Carioca, Copa Mercosul, João Havelange e Torneio Rio – São Paulo.
Já em 2001, não conquista nenhum título, mas é artilheiro do Brasileiro. O ano seguinte poderia ser o ano do craque ajudar o Brasil a conquistar mais uma Copa, antes disso ocorrer ou não, transfere-se para o Fluminense, no centenário tricolor. Na sua estréia marca dois, em vitória carioca contra o Cruzeiro, no Maracanã lotado. Na continuidade, ajuda o time a ficar na quarta colocação no Brasileiro. Durante o Brasileiro, ainda houve muita polêmica envolvendo o Baixinho, isso porque o técnico da Seleção Brasileira, Felipão, não o convocou para o Mundial.
Depois de um ano e tanto, em 2003 e 2004 Romário tem duas temporadas mais apagadas, porém, consegue ainda assim ver os holofotes a sua volta. Um dos motivos para isso é sua partida de despedida nos Estados Unidos, quando o atacante reuniu vários ex-atletas para marcar sua despedida, que teve direito inclusive a volta olímpica.
Mas é Romário, e tratando-se desse nome nunca sabemos o que ele irá realmente fazer. E ao contrário do que dava a entender, o Peixe retorna aos gramados. E no Vasco. No clube cruzmaltino obtém novamente o privilégio de ser artilheiro do Estadual e do Campeonato Brasileiro. Ainda em 2005, Romário faz outra despedida, dessa vez da Seleção Brasileira, em jogo Brasil 3, Guatemala 0, Romário 1. Despedida esta verídica.
O ano de 2006 é um ano atípico para Romário. Além de completar 40 anos, ele muda o clube. Mas ao invés de ir para um time grande do Rio ou do exterior, o gênio da grande área surpreende e vai jogar no desconhecido Miami FC, da segunda divisão do ainda modesto futebol americano. Lá chega a ser artilheiro da USL Soccer. Durante sua permanência no clube, Romário ainda dá clínicas sobre futebol para alguns jovens.
No mesmo ano, mais precisamente em outubro, o atacante vai para o Tupi Football Club, de Juiz de Fora. O “reforço” do time mineiro é noticiado em todo mundo, mas, pelo fato da transferência ter sido após o prazo para transferências internacionais, ele não pode atuar. Sem poder jogar no clube, transfere-se para o Adelaide (contratação mais cara da história do futebol Australiano) como atleta convidado. O objetivo era, em território australiano, marcar o maior número de gols possíveis, para que ficasse próximo de seu objetivo e assim, no Vasco, marcar o gol que até então só Pelé havia tido o privilégio. Porém, em seis jogos Romário não encontra facilidade e somente no último jogo pela equipe – depois de fracas atuações – marca seu único gol na Austrália.
O Milésimo
20 de Maio de 2007, Vasco e Sport, Estádio São Januário, 16682 ingressos adquiridos quase todos com um mesmo desejo: Ver o gol 1000. Gol este que havia batido na trave já havia alguns jogos. Mas o dia 20 era para ser o dia da façanha do camisa 11. E foi. Com apenas 2 minutos do segundo tempo, o lateral-direito Thiago Maciel cruza, a bola toca no braço de Durval o juiz apita. Pênalti! Os poucos minutos que levaram Romário para cobrar a penalidade, fizeram o craque lembrar 1994, naquele pênalti que somado ao erro de Baggio dariam a Copa do Mundo ao Brasil.
Muito nervoso, ele concentra-se, olha para o gigante goleiro Magrão, de 1,87m, e chuta, para gravar seu nome para sempre na história do futebol vascaíno, carioca, brasileiro e mundial. É o milésimo.
“Ele é um caçador que fica sentado na beira da estrada. Se a presa passar por ali, ele enche o saco. Se não aparecer, vai embora tranqüilo, com seu saco vazio”
Flávio Costa
O baixinho jogou, no total, por 9 camisas diferentes. Marcou por todas elas. No Vasco, fez 324 gols. Pelo PSV, 165. Na Espanha, marcou 53 pelo Barcelona e 14 pelo Valencia. De volta ao Rio, marcou 204 gols pelo Flamengo e mais 48 pelo Fluminense. Depois, em países de língua inglesa, fez no total 23 gols: 22 pelo Miami, dos Estados Unidos, e apenas 1 pelo Adelaide United, da Austrália. Uma carreira muito longa, mas que com certeza valeu a pena.