Parque Antártica: o inferno verde brasileiro

Parque Antártica: mais de 100 anos de história No início do século passado, São Paulo já era o grande centro cultural-econômico do Brasil. A eletricidade havia mudado a fisionomia da cidade com seus bondes circulando nas ruas centrais e os cinemas e teatros multiplicavam-se ao mesmo tempo em que surgiam as primeiras fábricas. Os seus […]
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sambafoot_admin
Publicado em 25/10/2005 às 03h00

Parque Antártica: mais de 100 anos de história

No início do século passado, São Paulo já era o grande centro cultural-econômico do Brasil. A eletricidade havia mudado a fisionomia da cidade com seus bondes circulando nas ruas centrais e os cinemas e teatros multiplicavam-se ao mesmo tempo em que surgiam as primeiras fábricas. Os seus 25 mil imóveis abrigavam uma população de aproximadamente 270 mil habitantes.

Antonio Zerrener, sócio da empresa Zerrener & Büllow, industrial bem sucedido e fundador da Companhia Antarctica Paulista, abriu à cidade para uso público um espaço superior a 300 mil metros quadrados de propriedade da sua empresa: o “Parque da Antarctica Paulista", local onde estava instalada a Cervejaria antes de se transferir para o bairro da Mooca.

Abrigando, além da vasta área verde, bosques, circos temporários, parques infantis, pistas de atletismo, quadras de tênis, aquele era o recanto favorito da população em finais de semana nos passeios e piqueniques. Um parque que poderia ser comparado hoje com o do Ibirapuera, que incluía aos poucos as condições ideais para práticas esportivas. Neste cenário, formou-se um dos primeiros campos de futebol da cidade.

[photo=SEPmini.jpg id=75 align=right]O futebol havia sido praticado na cidade de São Paulo, pela primeira vez em 1895, na várzea do Carmo, entre as equipes do Gazz Team e São Paulo Railway, onde jogava Charles Miller, paulistano do Brás que, retornando da Inglaterra após completar seus estudos, trouxera duas bolas de couro infláveis, uma bomba de ar, um enfiador, dois uniformes (camisas, calções e meias) e dois pares de “chancas".

Aos poucos, o esporte bretão ia conquistando a cidade. No Bom Retiro instalava-se o primeiro campo de futebol e surgiam as primeiras equipes: São Paulo Athletic Club, Mackenzie, Germânia, Internacional e Paulistano. Este fato trazia a necessidade da primeira associação para elaborar as tabelas dos jogos. Surgiu a Liga Paulista de Football e com ela a organização do primeiro campeonato de futebol paulista.

O palco já estava definido. Aquele com condições de abrigar o maior número de expectadores. O local onde se reuniam os paulistas, paulistanos e filhos de imigrantes nos finais de semana. Foi assim que, no dia 3 de maio de 1902, era realizada a primeira partida oficial de futebol em São Paulo. Num sábado à tarde enfrentavam-se Mackenzie e Germânia no Parque da Antarctica Paulista, um lugar mágico, de lazer, hoje imortalizado pelas histórias do próprio futebol.

O registro da primeira partida

Jornal A Província de S.Paulo (04/05/1902) – “Foot-ball. Match Campeonato de 1902. Ás 3 horas da tarde de ontem, no campo do Parque da Antarctica Paulista, realizou-se, com grande número de famílias, o primeiro match organizado pela Liga Paulista de Foot-ball entre o S.C.Germânia e A.A. Mackenzie College. No primeiro half-time, o sr. Mário Eppingaus fez um gol para o Mackenzie. Verdade é que o team do Mackenzie tem muito mais velocidade que o seu concorrente e, devido a isto, de começo a fim, a bola manteve-se mais favorável ao Mackenzie. Poucos minutos antes do half-time, o sr. Kirschner, centerfoward do Germânia, conseguiu fazer um scap e dahi marcar o primeiro gol do S.C.Germânia. Infelizmente, o Club Germânia perdeu, no primeiro half-time, um dos seus melhores jogadores, o sr. Muss, que se feriu bastante numa queda; porém este jogador foi substituído por outro."

Contudo, o Parque não se transformou exclusivamente em praça de futebol. Continuava a receber a população diariamente e outras modalidades de esportes foram aos poucos se inserindo, mesmo porque havia outros três terrenos para aquele fim, o do São Paulo Athletic, do Mackenzie e do Germânia.

A primeira competição automobilística na América do Sul

Em julho de 1908, o Parque da Antarctica também foi palco da “largada" e “chegada" da primeira corrida automobilística ocorrida no Brasil e na América do Sul, fato que elevou a cidade ao nível das grandes capitais européias.

O “Circuito de Itapecirica" teve cobertura nacional e internacional pelos repórteres que estiveram presentes. O grande vencedor foi o paulista Sylvio Penteado com seu Fiat de 40 cavalos que, com a velocidade média de 50 Km/H, cumpriu o trajeto de 70 km em uma hora e e meia, como conta o Estado de S.Paulo de 26 de julho daquele ano:

“No Parque Antarctica, os paulistanos pagam 2 mil réis para assistir à partida e chegada da corrida, mas não é preciso gastar um só tostão para ver os carros durante a prova. Assim, uma grande parte dos 400 mil habitantes de São Paulo está nas ruas. É o que acontece também em Santo Amaro, Itapecerica da Serra e Embu, que completam o circuito da competição."

“Ao meio-dia, faltando apenas uma hora para o início da competição, estão repletas as arquibancadas do Parque Antarctica e seus gramados começam a ficar cobertos pela multidão. Mais de dez mil pessoas aguardam o momento da largada."

“A multidão não se dispersa. Todos querem assistir à distribuição dos prêmios: taças de prata e medalhas de ouro. Na tribuna de honra, os prêmios são entregues pelas mais altas autoridades presentes: Miguel Calmon Du Pin de Almeida, ministro da Viação, representa o presidente da República, Afonso Pena; Jorge Tibiriçá, presidente do Estado de São Paulo; Barão Raimundo Duprat, prefeito de São Paulo; Aarão Reis, presidente do Automóvel Club do Brasil; e o Conselheiro Antonio da Silva Prado, presidente do Automóvel Club de São Paulo. As taças de prata são para Sílvio Penteado, Prado Júnior e Jordano Laport, que recebe também duas fruteiras de cristal oferecidas pela Câmara Municipal e a Prefeitura de Santo Amaro. Laport tinha levado menos tempo que os outros para fazer o percurso entre São Paulo e Santo Amaro. Jorge Haentjens e o motociclista Eduardo Nielsen ganham medalhas de ouro."

O Parque imortalizado na academia

Zélia Gattai, escritora paulistana, a mais nova imortal na Academia Brasileira de Letras, em seu livro “Anarquistas, Graças a Deus", lembra assim do Parque Antarctica:

“Grande programa, o maior, o melhor de todos para mim – a ida ao Parque Antarctica, na Avenida Água Branca. Ai que frio no estômago, ao subir na roda-gigante! E o carrossel? Era por acaso pouco emocionante montar os coloridos cavalos de pau? Chegava a sentir vertigem naquele sobe-e-desce dos cavalinhos rodando, rodando…. Havia um hábito intolerável dos adultos: plantavam-se de pé, cada qual ao lado de uma criança. E os trenzinhos puxados a burro, circulando pelo parque todo? As carrocinhas arrastadas pelos bodes e carneiros? Os pirulitos de todos os formatos e cores? As bolas de ar, subindo lá no céu, presas por um barbante? O algodão de açúcar? As gasosas e os sanduíches? O Parque era divino! Pena não podermos freqüenta-lo sempre."

A fundação do Palestra Itália

Independentemente dos fatos que na Europa motivavam a I Guerra Mundial, o Palestra era fundado pelos italianos e oriundos em São Paulo no ano de 1914.

Como previam Cervo, Simone, Marzo e Ragonetti, o sucesso viria já nos seus primeiros anos. Em 1920, sua sede na rua Líbero Badaró próximo à Praça do Patriarca tornava-se por demais acanhada para acolher os seus simpatizantes. Além disso, não havia um local próprio para a prática do futebol e isso era imprescindível para os objetivos do grupo. Uma praça de esportes digna do prestígio do clube era o sonho de todos.

Como e onde conseguir essa futura praça? Perguntava a Turma do Patriarca…

Alguém sugeriu o parque da Companhia Antarctica, pois já havia campo de futebol e na época estava alugado ao América F.C., um clube da capital que não participava dos campeonatos da APEA, por não reunir condições técnicas.

[photo=timemini.JPG id=75 align=left]"O Parque Antarctica para o Palestra!" foi o grito geral e a idéia se agigantava tornando-se uma obsessão. Seus mais árduos defensores eram Menotti Falchi, Enrico De Martino, David Pichetti, Martino Frantini, Adriano Merlo, Vasco Farinello e Vicenzo Ragognetti. A comissão pró-estádio estava formada e Vasco Stella Farinello foi indicado para dar o primeiro passo junto à empresa Zerrener & Büllow proprietária do parque.

A resposta foi animadora. O negócio poderia ser feito, porém havia dois obstáculos: o primeiro era o preço: 500 contos de réis, e o segundo, o América precisava desistir do contrato de locação.

Esse valor era superior a trinta boas residências na cidade. Sem dúvida, um negócio arriscado e considerado uma “aventura" por muitos. Concordaram, porém, que deveriam antes saber se conseguiriam a liberação do terreno. Precisavam falar com o presidente do América, Belfort Duarte.

Belfort Duarte

João Evangelista Belfort Duarte foi um zagueiro famoso criador de uma jogada muito conhecida que parecia com a “bicicleta" atual: o “Blefort". Participava das atividades esportivas não só no América F.C. de São Paulo como no América F.C. do Rio, clube pelo qual foi campeão em 1913 (era seu sonho criar um América em cada Estado e cada Cidade). Exemplo de disciplina, seu nome seria emprestado mais tarde ao prêmio que se dava aos jogadores que, num período de 10 anos, não sofresse nenhuma advertência.

O Parque estava nas mãos de um dos mais admirados zagueiros da época e dele dependia o futuro das pretensões palestrinas. Caberia a Vasco Farinello dar a primeira investida. Como o presidente americano residia no pico de Itatiaia, iniciava-se ali uma grande jornada.

A longa viagem

Vasco Stella Farinello tomou um trem e durante a viagem de 10 horas arquitetava frases e argumentos para convencer o presidente americano em caso de recusa. Levava consigo também uma “arma secreta": prometeria a Belfort Duarte o esforço do Palestra para a entrada do América F.C. na liga paulista de futebol. Quando deixou o trem, alugou um cavalo e subiu a serra durante 4 horas até avistar finalmente a casa de Belfort em meio à mata.

Recebido, conversaram longas horas sobre os áureos tempos e sabendo o valor da locação – 500 mil réis – Farinello expôs a necessidade que o Palestra tinha de um campo próprio. Informou que a Companhia Antarctica estava disposta a vende-lo por 500 Contos e se propôs a lutar pelo América na liga paulista.

Retorno em triunfo

Em seu retorno, Vasco Stella Farinello foi recebido triunfalmente pelos companheiros. O “SIM" foi um grande acontecimento na vida do Palestra e motivo para uma grande “chopada".

A diretoria do Palestra se reuniu em sessão extraordinária realizada numa sexta-feira (dia 23 de abril de 1920) na sede da rua Líbero Badaró. Foi uma das mais importantes reuniões do Palestra Itália-Palmeiras; uma sessão histórica na vida do clube, presidida por David Pichetti onde se tratou exclusivamente da proposta a ser encaminhada à empresa Zerrener & Büllow. 250 Contos de entrada e mais duas parcelas anuais de 125 contos de réis, uma das maiores transações imobiliárias da época.

A proposta seria entregue na segunda-feira mas, antes disso, no domingo, o Palestra estrearia no campeonato paulista enfrentando o Corinthians em campo adversário. O momento mágico em que vivia o Palestra era contagiante e a vitória por “3a0" trouxe a certeza de que um grande ano se iniciava. Foi o ano do primeiro título paulista também.

Quanto ao compromisso assumido por Vasco Farinello com o Belfort Duarte de trabalhar pelo ingresso de sua equipe na APEA, nunca veio a se concretizar. O América foi desativado ainda no mesmo ano.

E o sonho se realizou

No dia 27 de abril o Parque Antarctica era do Palestra gerando extrema confiança no primeiro relacionamento – parceria – entre um clube e uma empresa. A partir de então os produtos da Antarctica seriam servidos com exclusividade. Anos mais tarde, a linha média do Palestra tricampeão paulista, composta por Pepe, Goliardo e Serafini era carinhosamente chamada de Sissi, Gasosa e Guaraná produtos fabricados pela empresa.

Fevereiro 1902: O Parque da Antarctica, local onde se instalava a Companhia Antarctica Paulista era aberto ao público destinando-se ao lazer. Poucos anos depois, a diretoria do Palestra Itália – um clube de futebol com 5 anos de idade – ousou sonhar.

Fevereiro 2002: Hoje, a Casa do Palmeiras leva o nome de Estádio Palestra Itália em respeito à sua origem. Porém, não há como separar o Parque Antarctica da vida do Palmeiras. São nomes que se fundem na história. Uma história cheia de lutas e de glórias. O Palmeiras se tornou o clube brasileiro com o maior número de títulos disputados no século XX e também o que mais ganhou.

O Parque já comemorou os seus 100 anos, mas quando tem um jogo de futebol, seja no Palestra seja no Parque, o palmeirense tem sempre uma agradável emoção. A emoção de estar em sua casa.

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