Entrevista com o treinador do Flamengo Júlio César Leal

Entrevista com o Julio César Leal (1) [photo=jcleal.jpg id=42 align=right] Samba Foot O que você fazia antes de se tornar o treinador do Vasco em 1983 ? J.C Leal Eu iniciei minha carreira com o futebol em 1972, com o Olaria, quando me formei na escola de educação física que prepara profissionais do futebol. Trabalhei […]
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sambafoot_admin
Publicado em 21/01/2005 às 03h00

Entrevista com o Julio César Leal (1)

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Samba Foot

O que você fazia antes de se tornar o treinador do Vasco em 1983 ?

J.C Leal

Eu iniciei minha carreira com o futebol em 1972, com o Olaria, quando me formei na escola de educação física que prepara profissionais do futebol. Trabalhei de 1972 a 1975 na equipe profissional do Olaria como preparador físico e auxiliar técnico. Em 74 me tornei treinador, conforme manda a lei no Brasil. Minha primeira oportunidade para trabalhar como treinador foi em 76, no Clube de Regatas do Flamengo, dirigindo primeiramente, de 76 a 78, a categoria juvenil do Brasil. Em 79 fui promovido para a categoria de juniores, na qual fiquei até o meio de 82, quando o Flamengo me dispensou. Depois desses seis anos e meio fui para o Vasco. Em 82, assim como no primeiro semestre de 83, eu dirigi a equipe de juniores do Vasco, tendo minha primeira experiência como treinador da categoria profissional no segundo semestre daquele ano, neste mesmo clube.

Samba Foot

Considerando somente estes dez primeiros anos, você já tinha construido uma bela carreira, com ótimas experiências.

J.C Leal

Na minha passagem pelo Flamengo, por exemplo, considerei que o mais interessante foi o fato de eu ter trabalhado durante todo aquele tempo na maior época de ouro do Flamengo, que foi o período das conquistas a partir de 77 : 4 vezes campeão carioca, 5 vezes campeão brasileiro, campeão sul-americano e mundial. Eu era treinador da categoria de base, e muitos dos jogadores que foram formados comigo nos anos anteriores serviram à equipe principal e à Seleção brasileira, como foi o caso do Mozer, por exemplo. Além disso, tivemos 3 títulos estaduais aqui no Flamengo, e um no Vasco. Apesar de considerarmos importantes os títulos nestas categorias, eles não são os principais objetivos. Já na categoria profissional, o objetivo é o título. Na categoria de base o grande troféu que nós ganhamos, o grande reconhecimento, é ver o jogador que preparamos chegar à equipe principal. Mas, nem por isso, não deixamos de ganhar alguns títulos.

Samba Foot

Do que você mais gosta na profissão de treinador? O que mais te motiva ?

J.C Leal

O que mais me motiva é o fato de conhecer novas pessoas, fazer amigos, conhecer novos lugares e culturas diferentes. O futebol nos dá a possibilidade de fazer tudo isso porque nós acabamos tendo uma vida cigana. São justamente estes fatores que nós levamos de mais bonito do futebol : os amigos que fizemos em diversas partes do mundo, apesar das diferenças de idioma ; as culturas que nos dão uma visão mais global e que podem sempre nos ajudar quando precisamos de idéias mais eficientes e modernas do que as que temos aqui no nosso país.

No futebol, a maior alegria que temos é a capacidade que o atleta e o treinador têm de levar as pessoas a momentos de relaxamento, de entretenimento, e em alguns casos até de êxtase, quando ocorrem as conquistas, mesmo depois de uma semana difícil de trabalho dos torcedores, de tensão, de estresse, de cobrança.

Nesses instantes as pessoas são levadas a expulsar tudo aquilo que está incomodando ou atrapalhando suas vidas, tudo o que elas estão vivenciando, para viver grandes momentos de alegria, ou até mesmo de felicidade, que é uma alegria continuada.

Samba Foot

O que deve ser muito gratificante para vocês, profissionais do futebol, não é mesmo?

J.C Leal

É muito gratificante… Aqui no Brasil nós temos um povo muito sofrido, que vive diante de muitas dificuldades e adversidades. Mas quando nós damos à uma nação, como a rubro negra, formada por mais de 30 milhões de pessoas, 90 minutos de alegria e de descontração, ficamos muito felizes. Isso nos faz superar e vencer os nossos próprios limites porque temos vontade de perpetuar as vitórias, apesar do fato de no futebol as vitórias constantes serem muitos difíceis.

Samba Foot

Mas isso tudo é, verdadeiramente, uma motivação constante…

J.C Leal

É uma motivação constante nós sabermos que por trás de uma atuação nossa há a possibilidade de existirem momentos de alegria e até mesmo de felicidade de uma legião de seguidores e amantes do rubro negro.

Samba Foot

Nas nossas fichas consta que você teve um percurso bem particular. Você treinou os Emirados Árabes Unidos, Trinidad, Tobago, a seleção sub 20 do Brasil, com a qual você se tornou campeão do mundo em 93. Seu último trabalho foi no Kasma Club, no Kwait. O que você acha de toda essa diversidade? Foi uma escolha pessoal ou tudo aconteceu ao acaso ?

J.C Leal

Desde garoto eu já sabia que o que eu queria fazer era me tornar treinador de futebol. E eu sempre soube que esta era uma vida de viagens e de mudanças constantes, já que esta é a cultura do futebol. Ainda assim, no início da minha carreira, eu trabalhei 5 anos no Olaria, 6 anos e meio no Flamengo, 2 anos e meio no Vasco. Nos Emirados Árabes, eu cheguei a trabalhar durante 3 anos em um clube.

Trabalhei também 3 anos e meio na Seleção, sendo treinador dos juniores e auxiliar do Parreira e depois do Zagallo na Seleção principal. Trabalhei 3 anos na Seleção brasileira, de 91 a 93, e foi justamente quando terminou a minha trajetoria junto às categorias de base que toda essa diversidade que você citou em relação à minha carreira começou. Eu não conseguia passar mais de um ano em nenhum clube, mas sempre fui consciente que isso faz parte da cultura do futebol aqui no Brasil.

Sempre temos muita cobrança, às vezes até no sucesso, como foi o caso do Esporte contra o Recife: eu tinha um contrato de um ano, estávamos invictos há 5 meses sem perder nenhuma partida, liderando o campeonato em busca de um tetracampeonato, e um problema qualquer incitou a minha demissão. No Coritiba também, no Paraná, eu estava fazendo um trabalho muito bom, já depois de 4 ou 5 meses : estávamos nos aproximando do líder ; saímos lá de trás e viemos recuperando, ganhamos um clássico e, de repente, eu fui mandado embora.

Eu acho que as coisas da minha vida passaram, depois de um período de estabilidade, a me levar realmente a lugares diferentes, o que me possibilitou ser quem sou hoje, me comunicar com as pessoas e dar uma outra visão de profissional de futebol, de um brasileiro inclusive, de um mineiro de nascimento e carioca por adoção. Então acho que passou a ser minha missão, depois de ter ficado tanto tempo trabalhando no mesmo lugar, mudar a cada ano uma, duas vezes, ou até mais. Não foi escolha minha não.

Samba Foot

Aconteceu…

J.C Leal

É… Na minha opinião, é preferivel permanecer no mesmo clube por muito tempo. Eu vejo muito mais vantagens para o clube e pra mim. Entretanto, esta é a cultura do futebol, e ela está cada vez mais acirrada. O que cabe a nós é respeitá-la, entendê-la e ir plantando para o futuro.

As vezes o futuro será colhido por outra pessoa, mas não tem problema. Nós, humildemente, vamos plantando as sementes que alguém haverá de colher. Se alguém não tivesse plantado nestes últimos anos eu também não estaria aqui colhendo nestes dias de hoje. « Risos… »

Samba Foot

Quais são os seus objetivos com o Flamengo nesta temporada ? Você está preocupado com a saída de jogadores como o Felipe, o Athirson e o Júlio César, principalmente porque o Flamengo ainda não encontrou substitutos à altura deles ? Ou você acha que este é só um detalhe ?

J.C Leal

Na verdade, da mesma forma que eu acho que é bom que o treinador permaneça muito tempo no clube, também penso que é bom para o jogador permanecer no clube muito tempo, porque ele vai se aperfeiçoando cada vez mais e tem a possibilidade de conhecer melhor cada detalhe. A tendência é que ele vai ficando cada vez mais produtivo. Há momentos, como foi este vivido em 2004, em que bons atletas foram convidados para jogar em outros clubes, e até mesmo em clubes de outros países. Logo, foi necessário fazer uma reformulação do elenco e do time também.

Este processo ainda está em andamento. Aos poucos vamos acrescentando um e outro, dentro de uma realidade que o Flamengo, através de seu presidente, em manifestação pública e a nós, estipulou de trabalhar dentro de um orçamento estabelecido anteriormente, pra poder pagar em dia ao invés de estar se lançando em sonhos que às vezes o impede de cumprir suas obrigações trabalhistas. Como estamos trabalhando dentro de uma certa restrição, fica mais difícil o alcance de jogadores de melhor nível. Estamos reforçando a equipe aos poucos, com o objetivo de dar à torcida do Flamengo a alegria que é própria dela e as conquistas que são comuns do futebol do Flamengo. Mas sempre contamos com o apoio da nossa torcida.

Entrevista com o Julio César Leal (2)

Samba Foot

E este também é o seu objetivo para o Flamengo neste ano?

J.C Leal

E este também é o meu objetivo. Claro ! A conquista de vitórias e de títulos para que a ordem seja restabelecida e a torcida do Flamengo possa viver muitos momentos de alegria para ser feliz. É claro que nós temos que ser inteligentes e sabermos que estamos partindo de uma temporada na qual o Flamengo foi muito mal e lutou para não ser rebaixado.

Como alteramos mais de 50% do elenco anterior e do time base anterior, haveremos de encontrar algumas dificuldades no início. Mas estamos aqui para nos superar, e é pra isso que serve o atleta, e principalmente o atleta do Flamengo.

Samba Foot

Na verdade, o futebol é um mundo no qual a palavra que impera é "adaptação".

J.C Leal

Isso mesmo. Vão estar chegando jogadores de fora, de outra cidade, de outro estado, e quem sabe até de outro país. Certamente teremos muita dificuldade de atuar como um conjunto forte e vitorioso no campeonato carioca, como pretendemos fazer um pouco mais na frente. Outros clubes talvez já estejam nesta condição porque mudaram muito menos do que nós, mas para o bom profissional não há outra saída senão a de estabelecer por objetivo a obtenção de vitórias e conquistas.

Samba Foot

Falando em outras equipes, quais são os seus times preferidos para o próximo campeonato carioca?

J.C Leal

"Risos…" Bem, eu prefiro falar só da minha equipe. Os atletas estão sendo escolhidos dentro de um perfil que se identifica com a torcida do Flamengo, tanto no aspecto técnico quanto no psicológico, e que se seja capaz de re-editar a velha raça rubro negra, de se superar, de superar os adversários e chegar aos títulos. Portanto, eu ainda pretendo acreditar que é o Flamengo que tem essa condição de conquista.

Samba Foot

Qual a sua opinião sobre a organização do campeonato carioca? Você poderia explicar rapidamente a nossos internautas como o campeonato está organizado ?

J.C Leal

O campeonato deste ano está organizado de uma forma já mais razoável do que em anos anteriores. O campeonato, que no inglês chamamos de « League », é uma competição com a característica que todos se enfrentam em dois turnos, sendo que um jogo é em casa e o outro é na casa do adversário. No final dos turnos, aquele que conseguir somar o maior número de pontos é considerado o campeão. Este é o campeonato mais justo e mais correto que existe.

Nós ainda não chegamos a este nível no campeonato estadual, mas já chegamos no campeonato brasileiro. Por duas vezes, bons campeonatos brasileiros foram realizados neste sistema de "League". No campeonato, todos se enfrentaram em turno e returno, uma vez em casa e uma vez fora.

O carioca deste ano se aproxima deste tipo de organização porque foi dividido em dois grupos de seis : no primeiro turno, cada grupo enfrenta os adversários do próprio grupo, o que resulta no total de 5 jogos para cada equipe; e no segundo turno, joga-se contra os adversários do outro grupo. Depois disso, o campeão do primeiro turno decide o campeonato com o campeão do segundo turno. No caso de uma equipe ganhar os dois turnos, ela é declarada campeã.

Esta organização ainda não é a ideal, mas ao menos já não é aquela situação em que algumas equipes vão ficando pelo caminho. O campeão deverá ter enfrentado todos os adversários, primeiro no seu próprio grupo e depois no outro grupo, mas sem aquela característica do campeonato no qual existe um jogo em casa e um jogo fora.

Como o campeonato brasileiro nestas duas edições obteve sucesso pelo fato de as equipes terem avançado juntamente até a última "rodada da verdade", pode ser que aqui no Rio de Janeiro, principalmente depois desta modificação na federação, aconteça de em um futuro próximo essa forma ser a utilizada.

Samba Foot

Como o Flamengo está se preparando antes do início do campeonato? Como você vai organizar a equipe taticamente?

J.C Leal

Primeiramente, nós fizemos um estudo do nosso elenco de 33 jogadores, liberamos 16, ficamos com 18 e ainda tem 2 ou 3 que estão em avaliação. A partir daí, nós vimos as posições com as quais podemos contar ; estamos indicando mais ou menos 3 jogadores do nível do Flamengo para cada posição, para que o nosso gerente Anderson Barros e nosso dirigente Gerson Biscotto possam atuar na contratação desses nomes.

Estamos fazendo o planejamento para a temporada propriamente dita, que vai ser realizada em Volta Redonda. Começamos a preparação para o campeonato no dia 12, na qual consta inclusive um torneio internacional como parte da preparação. Taticamente, estamos tentando escolher atletas que se somem aos que aqui já estavam para atuarem de uma forma organizada, baseada no sistema de 4–4–2, de uma forma moderna e dominadora. Estamos preparando também sistemas alternativos que poderemos utilizar eventualmente, como o 3–5–2 e o 3–4–3, mas a base é o sistema de 4–4–2, da forma como o Brasil costuma jogar, com os laterais tendo bastante liberdade para subir pro ataque, os meias fazendo a proteção, organizando a partida e se infiltrando com os atacantes na última linha para a finalização, e 2 atacantes de preferência, se conseguirmos jogadores com essas caracteristicas, um marcando presença na área e outro com mais mobilidade pelas laterais, com velocidade, que além de fazer gols, faça os cruzamentos e as assistências pro outro atacante e para os meias que penetram. Esta é a idéia.

Samba Foot

O Flamengo contratou o meia Adrianinho para substituir Felipe, e o zagueiro Fabiano. O que você está esperando desses jogadores?

J.C Leal

O Fabiano nós já conhecemos bem porque ele já jogou aqui no Flamengo durante muitos anos. Ele foi jogador do meu irmão, Jairo Leal, na seleção brasileira que foi vice-campeã mundial em 95. Ele foi capitão há pouco tempo na equipe do Atlético Paranaense e jogou muitos anos no Japão. É um jogador de nível internacional.

O Adrianinho era uma promessa desde muito jovem na Ponte Preta, foi promovido muito cedo, teve seu talento reconhecido, tanto é que o Corinthians o comprou, mas ele não conseguiu firmar-se naquele clube, sendo por este último emprestado ao Paysandu, na temporada passada. Como reconhecemos seu talento, achamos que ele poderia encontrar aqui, com o estilo do futebol do Rio de Janeiro e com o estilo do futebol do Flamengo, uma possibilidade de resgatar, agora com os seus 24 para 25 anos, aquele nível que dele se esperava quando jovem.

Samba Foot

Toda a equipe Samba Foot agradece a você, Julio César, por esta entrevista exclusiva! Muito obrigado e um grande abraço!

A ficha do Julio César Leal

A ficha do Flamengo

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